Tróiades
remix para o próximo milênio
remix for the next millenium
Não compreendemos as ruínas antes de nos tornarmos ruínas nós mesmos.
(Heinrich Heine, trad. André Vallias)
Ou ço o cho ro tris te da his tó ria que re tro ce de so bre sua tra je tó ria pa ra bó li ca. Num da do mo men to, ve jo a bai xo um men di go pos ta do ao la do do meu cha péu co mo um guar di ão de pe dra. A in da que em bai xo o men di go es tá a ci ma de mim. Ou se rá a al ma ex â ni me do so ma tó rio da his tó ria?
(Yi Sáng, trad. de Yu Jung Im)
este poema-site é inteiro colado entre vozes dos derrotados, ainda que só possam surgir pela voz dos vencedores, misturada e em parte indissociada dos vencedores, como possibilidade da história. quando o derrotado fala, quem fala por ele, quem fala nele, quem poderia de fato ocupar esse lugar? cada encontro dos recortes fragmentários sugere discurso, não voz clara, não um de quem, ou um para quem — sem só dicotomia entre algoz e vítima, mas ainda assim como um monumento ao massacre interminado da história: de Troia, arquétipo dos derrotados, até Canudos, essa espécie de mãe das favelas contemporâneas, onde os derrotados permanecem ao longo dos seus dias; da escravidão imemorial e ubíqua ao índio ainda silenciado em nosso discurso, os nomes não terminariam, talvez sem um tikkun possível para os retalhos da dor.
1. o textos foram recortados, traduzidos livremente e, remanejados e remontados a partir de três tragédias antigas:
Hecuba, de Eurípides (424 a.C.) [H nas referências];
Troiades, de Eurípides (415 a.C.) [T];
Troades, de Sêneca (c. 54-64 d.C.) [S];
e do aforismo 9 tirado de "Über den Begriff der Geschichte" (1940), de Walter Benjamin [W].
2. a música "Genocide — Symphonic Holocaust" é do álbum Blut und Nebel (2005), de Maurizio Bianchi, tirado dos Wikicommons.
3. as fotografias, também recortadas e manipuladas, foram escolhidas dos Wikicommons:
1. Gênio do luto, imagem do séc. II d.C., por anônimo;
2. Will Brown linchado e cremado, 1919, por anônimo;
3. Porušena, Borovnica, 1944, por anônimo;
4. Escrava presa na Tunísia, c. 1900, por Lehnert & Landrock;
5. Judeus mortos em Kiev, 1942, por anônimo;
6. Soldado confederado morto, 1864, por anônimo;
7. Soldados alemães mortos na batalha de Bastogne, 1944, por anônimo;
8. Soldados russos na Guerra Russo-Japanesa, 1905, por Victor Bulla;
9. Crianças enforcadas numa árvore, Itália, 1923, por anônimo;
10. Canibais, durante a fome na Rússia, 1921, por anônimo;
11. Índios escravizados, séc. XIX, por anônimo;
12. Jovem alemã diante de 800 escravos mortos pela SS, 1945, por anônimo;
13. Túmulo de Inês de Castro (1360), por André Luís;
14. Polônia, 1939, por Julien Bryan;
15. Guerra civil americana, 1865, por Thomas Roche;
16. Linchamento de Laura Nelson,1911, por G. H. Farnum, cartão postal;
17. Operação Barbarossa, soldado russo morto, 1941, por anônimo;
18. Soldados russos em trincheira de mortos, 1905, por Underwood & Underwood;
19. Uma longa sombra geográfica, 2008, por Evelyn Simak;
20. Escravo do Mississipi, 1863, por MacPherson & Oliver;
21. Índios Crow mortos, 1874, por anônimo;
22. Delia, escrava em Columbia, 1850, por J. T. Zealy;
23. Dresden bombardeada, Alemanha, 1945, por Richard Peter;
24. Sobreviventes de Canudos, 1897, por Flávio de Barros; e
25. Tumbas de Palmira, Síria, 1935, por Pierre Antoine Berrurier, foto aérea.
4. o site foi formulado numa plataforma pré-fabricada Wix e reorganizado dentro dos limites do formato, como em todos os casos anteriores a a edição impressa, pela Editora Patuá, é uma caixa feita a partir de objetos pré-configurados, tal como cartão postal. nos dois casos, o suporte determina como são os resultados possíveis.
5. um agradecimento imenso às leituras, reações e comentários críticos de Adalberto Müller, Adriano Scandolara, Bernardo Lins Brandão, Ernesto von Artixffski (Sergio Maciel), Fernanda Baptista, Glaysson Zamt, Leandro Rafael Perez, Mauricio Cardozo, Odete Cardoso Gontijo, Pádua Fernandes, Ricardo Domeneck, Ricardo Pozzo, Rob Packer, Simone Petry, Tarso de Melo, Tal Nitzán, Vinicius Ferreira Barth & William Zeytounlian.
6. esta a segunda parte da tetralogia Todos os nomes que talvez tivéssemos, iniciada com em 2013 com o livro brasa enganosa.
7. a edição inglesa das Tróiades foi traduzida por Rob Packer entre junho e julho de 2016. alguns textos foram vertidos de modo a ficarem mais próximos dos originais em português, enquanto outros foram atualizados para uma linguagem mais contemporânea em dicção ou tecnologia; em todo caso, o propósito central foi o de manter a fluência emocional e fragmentária dos originais ao trazê-los para o inglês. versões alternativas para alguns textos estão disponíveis no blog de Rob Packer.
submergir na dor será talvez a imagem da redenção.
por isso, a cada morto inominado.
26 de setembro de 2014
guilherme gontijo flores
nos 3200 anos do incêndio de Troia;
2160 anos da aniquilação de Cartago;
805 anos do cerco de Béziers;
522 anos de extermínio indígena nas Américas;
369 anos da carnagem de Yangzhou;
117 anos da guerra de Canudos;
99 anos do genocídio armênio;
82 anos da grande fome da Ucrânia;
76 anos do estupro de Nanquim;
74 anos da fundação de Auschwitz-Birkenau;
69 anos de Hiroshima & Nakasaki;
32 anos do massacre de Hama;
20 anos de genocídio em Ruanda;
11 anos de conflito em Darfur;
o tempo indeterminado da escravização do homem pelo homem.